O que é ser um cristão?

William Lane Craig diz em seu livro "Apologética para questões difíceis da vida" que todo ser-humano tem que ocasionalmente abrir sua sacola de dúvidas não resolvidas e lidar com elas. Uma dúvida muito recorrente entre as pessoas religiosas é se elas são, de fato, cristãs. O que realmente define um cristão? Como reconhecer um cristão dentre as pessoas? Lutero disse em seu Catecismo Maior: "Você não precisa chegar e dizer como você é devoto ou como você é ruim. Se você for cristão, já o sei; se não for, isso saberei melhor ainda”  .  Parece que Martinho Lutero diz aqui que a identificação do cristão é ex opere operato, ou seja, algo que prontamente reconhecemos. Mas o fato é que dada a pluralidade de ‘cristianismos’ fica difícil para nós nos reconhecermos como cristãos e reconhecermos outros como cristãos.

O termo cristão aparece apenas três vezes na Bíblia (Atos 11:26; 26:28; 1Pedro 4:16). Sua origem, segundo alguns, vem do campo militar e significa “soldados de Cristo”, “casa de Cristo”, “partidários de Cristo”. O título em si já estava em pleno uso no ano 60 d.C. Tanto o historiador Tácito, quanto o governador Plínio, o Moço, usavam o termo em suas respectivas épocas.

Os dicionários teológicos definem o cristão como aquele que crê em Cristo e procura viver de acordo com seus ensinamentos. “Aquele que diz estar nele, esse deve andar como ele andou” (1João 2:6). Jesus andou por toda a parte fazendo o bem e curando os oprimidos pelo diabo (Atos 10:38). O cristão, segundo essa definição, deve então fazer o bem a todos, especialmente aos da família da fé (Gálatas 6:10). No entanto, o cristão faz o bem a todos não para tornar-se cristão, mas por já sê-lo.

A questão que surge diante de nós agora é: “Ensinamentos de Cristo”. Onde se encontram? Qual a sua autenticidade? Há tantos supostos ditos de Jesus não registrados nos evangelhos canônicos (Mateus, Marcos, Lucas e João)   e eles devem ser aceitos como legítimos? A resposta é não e para não delongarmos inutilmente aqui acerca dessa questão recomendamos que se leia isto e isto.

Até agora, temos estabelecidos duas teses: A primeira delas é que um cristão é alguém que crê em Cristo Jesus, apega-se firmemente a ele. Martinho Lutero tem muitas frases esclarecedoras a esse respeito, uma delas que é pertinente aqui é: “Por isso alguém não é chamado de cristão por fazer muito; mas por tomar, buscar, deixar-se presentear por Cristo. Quando alguém não toma mais de Cristo não é cristão. O nome cristão fica no tomar e receber, não no fazer, porque não recebe nada de ninguém, exceto de Cristo. Se ele olha para o que faz já perdeu o nome de cristão. É verdade que devemos fazer boas obras, ajudar o próximo, aconselhar e dar; mas por isso ninguém se torna um cristão. Assim, se quisermos reconhecer se alguém é cristão conforme a palavra de Deus, temos de perguntar como ele está em relação a Cristo, se ele se apega somente à graça de Cristo. Por minhas obras, o jejuar, posso ser chamado de jejuador; por minhas peregrinações, um peregrino, mas não de cristão”.

Lutero prossegue seu pensamento e diz que na verdade, ser cristão consiste em reconhecer que somos pecadores e pedir misericórdia . Lutero ainda diz: “Ser cristão é possuir o evangelho e crer nele. Essa fé traz perdão dos pecados e graça de Deus”  .

Portanto, ser cristão é, antes de tudo, como pecadores que somos, nos apegarmos fielmente a Cristo Jesus conforme anunciado no evangelho e pedir sua misericórdia para recebermos perdão dos pecados.

A segunda tese que estabelecemos é que um cristão procura viver de acordo com os ensinamentos ‘autorizados’ de Cristo Jesus; Isto é, faz boas-obras. O apóstolo Tiago, irmão do Senhor, diz em sua epístola (2:14-26) que fé sem obras é uma fé morta, assim como o corpo sem espírito é morto. Lutero diz “onde não se seguem boas-obras aí a fé é falsa e não verdadeira ”. E: “Perante Deus é a fé que santifica servindo apenas a ele, ao passo que obras servem às pessoas ”.

Segundo o reformador, as obras se não forem úteis ao próximo sequer deveriam ser feitas . As nossas boas obras, segundo Lutero, só são boas por causa da fé; é a fé que torna boas as nossas obras. O ser humano se torna justo sem as obras, ainda que não fique sem obras depois de ter se tornado justo.

É evidente que a Bíblia tem muitos ensinamentos para os cristãos, tanto no Antigo Testamento quanto no Novo Testamento. Pessoalmente, seguindo Jesus, Paulo, João e Lutero, acredito que o que melhor sintetiza o cumprimento dos mandamentos é o amor (Romanos 13:8-10; Marcos 12:30,31) até mesmo porque a fé atua pelo amor (Gálatas 5:6). O amor é o caminho sobremodo excelente (1Coríntios 12:31 – 13:1). Daí que Jesus nos deu um novo mandamento: Amar uns aos outros (João 13:34). É-nos impossível cumprir esse mandamento como é impossível cumprir qualquer outro mandamento divino (Tiago 2:10), no entanto, o Espírito Santo vem e nos capacita mediante a fé, a graça e o amor a cumpri-lo (Romanos 5:5). Daí voltamos para a seguinte conclusão:

 Até para praticarmos boas obras como cristãos precisamos nos apegar a Cristo Jesus conforme revelado no evangelho, pedindo misericórdia para recebermos perdão de pecados.

Logo, um cristão é alguém que é pecador e por ser pecador se apega fielmente a Cristo Jesus conforme ele é revelado no Evangelho sedento da misericórdia de Deus para receber o perdão de seus pecados.


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                                                 BIBLIOGRAFIA

  LUTERO Martinho, Catecismo Maior do Dr. Martinho Lutero trad. Walter O. Schlupp, São Leopoldo, Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 2012, p. 132.

  O termo acadêmico para designar esse conjunto de ditos de Jesus é Ágrafa.

  APUD FERREIRA Franklin, Pilares da Fé: Atualidade da mensagem da Reforma , São Paulo, Vida Nova, 2017, p. 40.

 LUTERO Martinho, Catecismo Maior do Dr. Martinho Lutero trad. Walter O. Schlupp, São Leopoldo, Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 2012, p 131.

  WOLF Manfred Mais uma pergunta Dr. Lutero...: Entrevista com o Reformador, trad. Hugo Solano Westphal, São Leopoldo, Sinodal, 2011, p. 35.

  FERREIRA Franklin, Pilares da Fé: Atualidade da mensagem da Reforma, São Paulo. Vida Nova, 2017, p 158.

  LUTERO Martinho, Catecismo Maior do Dr. Martinho Lutero trad. Walter O. Schlupp, São Leopoldo, Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 2012, p 49.

  HELMER Christine Lutero: Um teólogo para tempos modernos; trad. Geraldo Korndörfer, São Leopoldo, Sinodal, 2013, p. 247.


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